Tudo começou em 1987, precisamente em maio de 1987, e eu tinha acabado de completar 17 anos. Um período turbulento, no qual meus pais estavam refletindo sobre reatar um casamento falido. A separação ocorreu entre 1983 e 84. Que situação. Foi uma maré de dor, e tristeza que se encontrava com uma costa em que cada grão de areia era um fragmento de coração quebrado, da vida vazia e sem sentido, da solidão. Estava perdido na vida.
Fico pensando muitas vezes como um período difícil. Muitas dificuldades na escola e em tantas outras áreas. Meu pai, como queria a minha guarda, fez de tudo para que eu ficasse com ele e não com minha mãe. Seria uma forma, eu acho, de não precisar pagar a pensão ou só para mostrar que podia.
Recordo-me de um dia particularmente marcante. Fiquei na sala de um senhor muito educado, que me tratou, hoje posso dizer, com extrema delicadeza e compaixão. Trazendo o momento à memória, vejo a indignação no olhar daquele senhor pela situação diante dele: 2 adultos colocando uma decisão que criança alguma deveria tomar: quer ficar com seu pai ou mãe? Como se fosse possível escolher entre duas forças que nada são além de complementares.
Só lembro de sentir uma dor imensa após ter deixado a sala do juiz. O sentimento era de vergonha total, na minha cabeça tinha rejeitado, abandonado, a minha mãe e pensei: será que ela vai me amar? Será que ela vai me perdoar? Como terei coragem de a encarar mais uma vez? Deixe a sala do juiz correndo, o prédio ficou para trás e me vi andando e chorando pelo centro de Natal.
Os dias que sucederam o evento foram preenchidos por uma rotina dolorosa. Cama, choro e vergonha; estava preso em uma espiral de pensamentos acerca da minha mãe e sem ânimo para estudar. Estava sem ânimo para nada.
As horas foram ocupadas pelo silêncio e pela solidão. Alguns amigos, futebol surgiam como alguns minutos de oxigênio em meio a sufocante dor e o peso dos questionamentos acerca da decisão.
Assim passei parte da minha adolescência.
Pé de Goiaba
O que é a adolescência se não um período de descoberta? Tentar entender a vida se desenrolando e o papel que queremos interpretar no futuro. Não há um manual de instruções ou alguém para dizer “o caminho é por aqui”, “mantenha a calma”, “cuidado” ou “respire”. E ter 16 anos em meio a frustrações familiares e dores da alma com as quais não sabia como lidar é desesperador. Estava mergulhado em um abismo e nada tinha a não ser eu mesmo me levando por algo que não sabia onde iria desembocar; uma cama elástica ou pedras afiadas pontiagudas no fim. Por muito tempo, pareceu ser as pedras.
Passei um período na casa de uma tia querida. Lá, tinha primos da minha idade e eu estava como um carro que desce uma ladeira sem freio. Pais separados e linhas de limites prestes a serem cruzadas enquanto diferentes tipos de tentações se apresentavam, todas exibiam a promessa de distração momentânea; tudo o que eu precisava fazer era escolher a primeira
A casa da minha tia era boa demais, visto ser sinônimo de férias, primos e diversão. Muita diversão. Essa, ia de futebol a festas. Mas havia um problema: as lutas financeiras da minha tia, afinal chegou mais uma boca lá na casa dela. E a boca era minha. Hoje penso nela e vejo como foi generosa comigo. O que os meus primos comiam era dado a mim, o cuidado era igual, ela me tratava como filho também.
Ali, sem saber, testemunhei o primeiro sinal de que Deus havia colocado uma cama elástica no fim do meu abismo. O milagre que ele operou para que ela conseguisse cuidar de mim e dos meus primos. Imagino a aflição dela em nos alimentar. Trago na memória como um milagre especial de Deus por amor a nós. Apenas imagine três jovens, em plena adolescência, e o resultado disso nos armários e na geladeira.
Meu Senhor, era fome! E um escape vindo de Deus para nós era um bendito pé de goiaba no quintal da casa, que nos provia em quantidades sem fim da fruta, dia e noite. Era algo inexplicável! Pela manhã, rapávamos o pé. Suco, fruta, comida na hora e depois, a noite, podíamos ir lá que encontrávamos mais goiabas. Pela manhã, o Senhor as renovava para nós! Hoje, posso entender aquele texto de lamentações de Jeremias: “As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, grande é a sua fidelidade, renovam-se a cada manhã”. É verdade, Senhor, sou prova disso.