Uma análise teológica do texto.
O Evangelho segundo Paulo não é uma mera filosofia religiosa ou um conjunto de ensinamentos morais. Ele é, antes de tudo, o poder de Deus para salvação, fundamentado na pessoa e obra de Jesus Cristo. Nos primeiros 15 versículos da epístola aos Romanos, encontramos uma introdução densa, repleta de implicações teológicas sobre a identidade cristã, o chamado ministerial e a missão da Igreja.
1. A Identidade do Cristão: Servo, Chamado e Separado (Romanos 1:1)
Paulo inicia sua carta se apresentando com três termos essenciais:
- Servo de Cristo Jesus (doulos – escravo voluntário);
- Chamado para ser apóstolo (vocação divina);
- Separado para o Evangelho de Deus (designado para um propósito específico).
Charles Spurgeon destacou a humildade de Paulo ao se intitular servo de Cristo:
“Os verdadeiros ministros de Deus nunca foram homens que buscaram exaltar a si mesmos. O servo de Cristo reconhece que sua glória está em pertencer ao seu Mestre.” (Spurgeon)
A identidade de Paulo reflete a nossa própria identidade como discípulos. João Calvino, ao comentar sobre esse versículo, afirmou:
“Nenhum homem jamais terá uma consciência correta de seu chamado se não considerar a si mesmo como alguém comprado pelo sangue de Cristo e, portanto, escravo de Sua vontade.” (Calvino, Comentário sobre Romanos)
Ser cristão não é uma escolha conveniente, mas um chamado irrevogável. A Igreja deve se enxergar como separada para o Evangelho, vivendo não para si mesma, mas para a glória de Deus.
2. A Centralidade de Cristo no Evangelho (Romanos 1:2-4)
Paulo esclarece que o Evangelho não é um evento isolado, mas o cumprimento das promessas feitas por Deus através dos profetas. Cristo é o centro da mensagem:
- Segundo a carne, Ele é descendente de Davi (v. 3) – Cumprindo a promessa messiânica.
- Segundo o Espírito de santidade, foi declarado Filho de Deus pelo poder da ressurreição (v. 4) – Confirmando Sua divindade.
John Stott enfatiza que a ressurreição não tornou Jesus Filho de Deus, mas o declarou com poder:
“A ressurreição não concedeu a Jesus um novo status; ela revelou quem Ele já era. O Cristo humilhado agora é exaltado em glória.” (Stott, A Mensagem de Romanos)
A.W. Pink também destaca que o Cristo ressuscitado é a esperança do cristão:
“Se Cristo ressuscitou, então a morte foi vencida, e todo aquele que crê nEle tem a garantia de vida eterna.” (Pink, A soberania de Deus)
A implicação é clara: o cristianismo não é um sistema ético, mas a proclamação de uma Pessoa viva e reinante!
3. O Chamado Universal do Evangelho (Romanos 1:5-7)
Paulo enfatiza que recebeu graça e apostolado para conduzir todas as nações à obediência da fé. O Evangelho não está restrito a um povo ou cultura, mas é uma mensagem global.
Martinho Lutero ressaltou a necessidade de pregar o Evangelho a todos:
“Se queremos que Cristo reine, devemos nos recusar a permanecer em silêncio sobre Ele.” (Lutero, Comentários sobre Romanos)
O chamado ao arrependimento e à fé não é uma opção; é um convite irresistível feito pelo próprio Deus à humanidade.
4. O Amor de Paulo pela Igreja e Sua Paixão pela Missão (Romanos 1:8-15)
Nos versículos finais dessa seção, Paulo expressa sua profunda gratidão pelos crentes em Roma e seu intenso desejo de estar com eles para edificação mútua. Seu amor pela Igreja e seu zelo missionário são evidentes:
- Ele ora constantemente por eles (v. 9-10);
- Ele deseja fortalecer a fé deles (v. 11-12);
- Ele sente-se devedor de pregar o Evangelho a todos (v. 14-15).
Jonathan Edwards capturou essa paixão ao afirmar:
“O verdadeiro crente não pode se contentar em apenas possuir o Evangelho; ele deve espalhá-lo como um fogo inextinguível.” (Edwards, Sermões e Discursos)
O desejo de Paulo era anunciar o Evangelho a gregos e bárbaros, sábios e ignorantes (v. 14), pois ele sabia que essa era sua dívida diante de Deus.
Conclusão: Nossa Resposta ao Chamado do Evangelho
Diante desses princípios, como devemos responder?
- Assumindo nossa identidade como servos de Cristo – Não pertencemos a nós mesmos, mas ao Senhor.
- Vivendo um Evangelho centrado em Cristo – Jesus é o cerne da nossa fé, não um mero exemplo moral.
- Abraçando a missão de levar o Evangelho ao mundo – Como Paulo, devemos nos sentir devedores de proclamar a mensagem de salvação.
Richard Baxter, um dos grandes puritanos, nos desafia com uma reflexão:
“Viva como quem foi chamado para uma missão eterna. Não desperdice sua vida com trivialidades passageiras.” (Baxter, O Pastor Aprovado)
Que possamos ser fiéis ao chamado de Deus, vivendo para Sua glória e proclamando com ousadia o Evangelho de Jesus Cristo!
Bibliografia:
- BAXTER, Richard. O Pastor Aprovado. Editora Pes: São Paulo, 1991.
- CALVINO, João. Comentário sobre Romanos. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.
- EDWARDS, Jonathan. Sermões e Discursos. São Paulo: PES, 2001.
- LUTERO, Martinho. Comentários sobre Romanos. São Paulo: Editora Sinodal, 2001.
- PINK, Arthur W. A Soberania de Deus. Editora Fiel: 1989.
- SPURGEON, Charles Haddon. Sermões Selecionados. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas (PES), 2010.
- STOTT, John. A Mensagem de Romanos: A Justiça de Deus. São Paulo: ABU Editora, 1999.
O chamado e a missão do Evangelho em Romanos 1;1-15.